Poeta, compositor e jornalista, Ademir vem pela segunda vez à FestiPoa Literária para lançar novo livro de poesia, "A voz do ventríloco" (Edith). Sábado, às 16h, no mezanino da Casa de Cultura Mario Quintana, Assunção lerá alguns poemas e autografará essa nova publicação.
Como é
tua relação com Porto Alegre? Que artistas você lê, ouve?
Tenho uma ligação intelectual e
afetiva com Porto Alegre. Minha ex-mulher e meus filhos moram aqui. Uma parte
significativa da minha vida pulsa na cidade. Tenho grandes amigos por aqui.
Artisticamente, há muito tempo estou ligado a poetas e músicos gaúchos, que
nasceram ou viveram em Porto Alegre. Sou leitor de Mário Quintana, ouço Nei
Lisboa, adoro as tiras de Edgar Vasques. Há muitos outros artistas vigorosos
que conheço e, tenho certeza, muitos outros, mais novos, que ainda
desconheço.
Você vai
participar da mesa “Vozes da canção e da poesia”, com o Nei Lisboa. Qual a
expectativa? Como é a tua relação com a música e a literatura do Nei?
Conhecia canções esparsas do Nei
Lisboa, mas desde que ouvi “Hein?”, apresentado a mim pelo Mário Bortolotto,
passei a ouvir os discos dele com muita atenção e curiosidade. Gosto muito da
poética de suas canções, bastante refinada, irônica, indignada, lírica. Gosto
especialmente de “Cena Beatnik”, “Carecas da Jamaica” e “Hein?”. Nesses discos
há canções antológicas como “Rio By Night”, “Baladas”, “Telhados de Paris” ,
“Zarpar pro Futuro”, “Produção Urgente”, “Por Aí”. A obra dele poderia ser mais
conhecida no Brasil todo. Vai ser, com certeza, quando as emissoras de rádio e
televisão forem menos mercadológicas e superficiais. Minha expectativa sobre a
mesa “Vozes da canção e da poesia” é que seja um bate-papo enriquecedor para
nós e para o público.
"A
voz do ventríloquo", que você lançará no sábado, às 16h, na Casa de
Cultura Mario Quintana, é um livro indignado, furioso, cuspidor de sangue, que
faz o leitor ouvir vozes que vem do escuro. Você pode falar um pouco sobre esse
"ventríloquo"?É verdade, há poemas que são
fruto da minha indignação com a violência da sociedade contemporânea, expressa
tanto nas guerras explícitas, quanto na especulação financeira e na lógica
exacerbada do consumo, que afastam as pessoas de uma vida mais densa e cultiva
a ignorância coletiva como forma de lucros estratosféricos. Mas há momentos
também de muito lirismo e de melancolia no livro. No fundo, a arte em geral
continua expressando as mesmas inquietações que são comuns aos humanos, seja os
do século XXI ou do século I: a finitude da vida, a solidão, os vôos
intelectuais, a espessura emocional. Mudam os tempos, as condições de vida, os
contextos, os conhecimentos, mas essas perguntas permanecem. Quanto mais
avançamos vida a dentro, mais vamos nos deparando com esses enigmas. E, na
maioria das vezes, vamos percebendo que não há respostas. Há só caminhos, há
lampejos de compreensão, há momentos luminosos e há momentos de escuridão. Há
também o prazer de transformar em linguagem esses vôos às alturas e essas
descidas aos infernos. Ou aos inferninhos.
Você,
além de poeta e jornalista, é compositor. Leva sua poesia para o palco e a faz
dançar com o rock and roll. E muitos dos seus poemas estão "pedindo"
para virarem canção. Como seu trabalho com a palavra escrita extravasa e ganha
forma no palco e em outras mídias?
A poesia oral, falada ou cantada,
sempre esteve presente em minha vida. Antes de ser alfabetizado, eu ouvia, e
adorava, histórias que meus pais, avós e tias contavam. Não eram poemas,
propriamente, mas eram narrativas, histórias que vinham de muito longe, hoje eu
sei. Ainda durante a infância e depois, na adolescência, ouvia muita música.
Não venho de uma família letrada. Não havia biblioteca na minha casa. Mas o
rádio estava sempre ligado. Eu ouvia de Lupicínio Rodrigues a Bob Dylan no
rádio. Quando entrei em contato com a poesia escrita, fixada no papel, prestava
muita atenção no ritmo dos versos, na sonoridade interna das palavras. Ezra
Pound e os poetas concretos me ajudaram a prestar ainda mais atenção nessa
engenhosidade dos poemas, nas rimas internas, nos ecos de uma palavra para
outra, no deslizamento sonoro dentro de um poema. Tudo isso fez com que eu
trabalhasse bastante a melopéia (as tramas sonoras) em minha própria poesia.
Costumo dizer que escrevo com os ouvidos. Então, os poemas pedem para ser lidos
em voz alta, entoados, e até cantados, em muitos casos. Entendo a poesia como
um organismo vivo. Um ser de linguagem. E tudo que está vivo está em permanente
mutação.
Já que estamos falando sobre uma festa literária, qual é o artista que
te faz dançar?
Gosto quando a vida me convida a
dançar. Quando ela não me convida, eu procuro tomar a iniciativa.