21 de abr. de 2012

O melhor de Heloísa Buarque de Hollanda


Confira o que rolou de melhor no encontro de ontem com a dama da literatura marginal brasileira, Heloísa Buarque de Hollanda. Heloísa foi entrevistada pelo poeta Ramon Mello na Casa da Cultura de para uma atenta plateia com cerca de 60 pessoas, em pleno centro de Porto Algre.



Dois tsunamis

O século XXI tem dois tsnumis chegando e que estão transformando tudo: a vozes da periferia e a tecnologia digital. Preste atenção que a periferia já está na rede Globo, nas novelas – e a Globo está atenta a tudo isso. É uma estética nova, um novo universo aparecendo, é importante saber como se colocar nessa chegada. É preciso estudar isso. E é um fenômeno muito engraçado, porque quando pensa numa estética da periferia, se pensa em raiz, mas ela é completamente transnacional, o rap, que é muito importante nessa cena, vem do Bronx, por exemplo. Essa nova classe média que está surgindo é pop.

E a questão digital vem porque já era necessária, era demanda latente da literatura também se pensarmos em Cortazár, nos concretistas, em Borges... Todos já estavam desconfortáveis com as limitações do papel. Politicamente e economicamente também já existia essa demanda, que agora está se concretizando.

Acho chata essa idéia que diz que uma nova tecnologia surge e muda tudo. Na verdade, não é uma novidade, e sim uma viabilidade. A tecnologia vem porque já se queria muito, e sempre chega meio atrasada.

Futuro do livro

O livro sempre vai existir. Alguns autores estão fazendo livros artesanais, resgatando o  tato, a delícia do livro. Agora, livro técnico não tem porque ser mais em papel, não faz sentido. Informação seca não vai existir mais assim. E também livro que é para jogar fora, como livro que se vende em aeroporto, esse mais descartável.

No entanto, é bom lembrar que tudo que você tem no kindle não é seu, suas notas, tudo isso fica numa nuvem. Outra coisa: se autor tiver problema com editora, seu livro vai embora. A gente tem que ter noção que está alugando um livro, não está comprando. Já o livro em papel vai ser sempre seu, mesmo que uma ditadura se instaure, você pode esconder, enterrar, há mil subterfúgios.

Além disso, o kindle não é uma tecnologia de ponta, ele ainda está atrasado, porque o livro de papel evolui durante 500 anos, já o digital ainda é muito novo. Um livro em aplicativo é um parque de diversões. É um universo de possibilidade que se abrem, mas tenho certeza que o livro em papel continuará muito firme.

Periferia

Logo vão parar de chamar de “periferia”, já está se usando a nomenclatura “classe c”. E, como o movimento gay, a classe c está se legitimando pelo consumo. Na periferia a palavra é vista como um poder, se você for a um sarau grande, destes que reúnem centenas de pessoas, você vai ver vários grandes poetas canônicos recitados com poetas não canônicos.

Há até uma ong chamada “ler é poder”, e isso não é demagogia. Você vai até a escola para conseguir lutar pelas tuas demandas, e é desse acesso ao poder que estamos falando na periferia. No meu tempo, poesia era uma fruição, na periferia, é meio para compreender a palavra, que gera um emprego, que gera poder.

Nesse sentido, a poesia tem chamado muito mais atenção. Muito mais do que a ficção. Talvez porque a troca e leitura sejam maiores ao vivo, eles parecem ir até a poesia para salvar a vida, é uma busca por salvação. É muito novo, assustador e lindo.

Até a academia está interpretando isso muito melhor o movimento da poesia na periferia do que interpretou os poetas marginais. Tem muita tese sobre a periferia. Começou como fenômeno social, antropológica. Agora todo mundo está estudando nas Letras. Está sendo mais rápido do que foi com a poesia marginal, até porque a periferia tem um poder mobilização muito grande, com um poder econômico e político. Os acadêmicos dizem que é mal escrito, mas estão prestando a atenção.

Universidade das quebradas.

Eu não fui até a periferia para ensinar, para salvar. Em 1980 tem o intelectual mediador. Ele identificava demandas de alguém incapaz de levar e levava para o governo, para as empresas. É uma década inteira de “império das ongs”. Já nos 90, precisava ser outra coisa. O que o novo intelectual tem que fazer? Parceria. Troca. Você dá alguma coisa, e recebe algo do outro. Li muito Boaventura de Souza santos. Ele analisou o Fórum Social Mundial como uma nova ecologia do saberes, saberes diferentes tentando arranjar soluções. Em resumo: ouvir outras opiniões como um saber, e não como uma falta de saber.

Então eu fiz esse projeto da Universidade das Quebradas. Nós pegamos as melhores pessoas, não estamos ali pra salvar ninguém. Selecionamos os intelectuais das periferias, gente que está no meio da carreira, esses são os elegíveis. Seleciona 70 por ano. A demanda aumenta sempre. A gente dá de tudo, história da arte, filosofia, de tudo... A gente dá aula e recebe aula.

Eu estudei rap sem parar na universidade, mas eu descobri ali que eu não sabia nada. É um universo que eu acho que conheço, mas não conheço. É sempre um espanto. Eu achei importante fazer dentro da universidade, como uma extensão, porque é uma obrigação da universidade. A gente ensina, mas eles ensinam muita coisa em troca. Bolamos o conceito de indivíduo não governamental. Não é caridade nem assistencialismo. É uma relação dura, porque acho que tem que ser assim. Vamos ver o que vem por aí, todo ano a gente muda tudo, é um grande laboratório.