12 de out. de 2012

Iturrusgarai is Fucking Back



Adão Iturrusgarai lança em Porto Alegre o livro “Momentos Brilhantes da Minha Vida Ridícula” dia 15 de outubro, segunda-feira, às 19h, na Casa de Cultura Mario Quintana. O lançamento faz parte da programação da Festipoa Literária revisitada e sampleada e inclui, além de autógrafos, o irreverente talk show “Iturrusgarai is Fucking Back”, onde Adão entrevista Fabio Zimbres, Otto Guerra e Santiago. O talk show, dividido em dois blocos, tem também a participação do editor Lobo Barba Negra, que entrevistará o autor no primeiro bloco. Jimi Joe fará um pocket show no lançamento.
Na programação paralela ao evento está uma exposição de tiras e cartuns do artista, “O mundo Maravilhoso de Adão Iturrusgarai”, que está em cartaz na Casa de Cultura Mario Quintana, no Mezanino.  O livro de Adão reúne as HQs autobiográficas do autor – tiras e páginas – das séries “Minha Vida Ridícula”, “Private Eye”, “Memórias Imbecis”, e outras HQs avulsas que foram publicadas ao longo dos anos em diversas revistas e jornais. Traz também a série “Roupa Suja”, em parceria com sua mulher, Laura, e HQs e cartuns inéditos dos amigos desenhistas: Laerte, Fido Nesti, Eloar Guazzelli, Allan Sieber, Caco Galhardo, Otto Guerra, Estevan Santos, Arnaldo Branco, Benett, Zed Nesti, André Dahmer, Gustavo Sala e Rafael Coutinho. Recentemente lançado no Rio de Janeiro, segue agora para outras cidades brasileiras.Quarto integrante do trio “Los 3 amigos”, formado originalmente pelos cartunistas Glauco, Angeli e Laerte, Adão demorou um ano coletando fotos e desenhos para terminar a publicação. Sobre o livro, o desenhista afirma que 80% das histórias aconteceram de verdade. “Algumas histórias não parecem verdadeiras, mas aconteceram mesmo. Por exemplo: na minha infância eu era viciado naquelas máquinas de pinball. Uma vez meu dinheiro tinha acabado e eu fiquei sentado na frente do fliperama, muito triste. De repente passou uma moto com uma caixa presa atrás que abriu e dela começou a voar dinheiro. É uma história verdadeira”, afirma Adão.
A FestiPoa Literária revisitada e sampleada é a retomada de parte da programação do evento, com a presença de alguns dos artistas que participaram de sua 5ª edição em abril deste ano, e a oportunidade que o público leitor terá de acompanhar os desdobramentos da festa literária ao longo do segundo semestre. Temas, reflexões, debates e livros, que estiveram na pauta da última edição, recebem novas abordagens dos convidados, e os escritores revisitam assuntos e textos seus e de outros autores, contemporâneos ou clássicos. Esta é a quarta atividade da FestiPoa revisitada e sampleada.
Apoio cultural: Casa de Cultura Mario Quintana, Cabaré do Verbo e BD Divulgação (www.bddivulgacao.com.br).


Entrevista publicada, em 2009, na revista CidadeB.


Gênio em estado brutal

por Fernando Ramos


Doralice me presenteou o livro No divã com Adão (ed. Planeta, 158 páginas coloridas, R$ 34,90) e prescreveu: se você até hoje não fez análise, ao ler este livro ficará ainda mais longe de um divã. Obrigado, Dora.

O volume compila 15 tiras inéditas e dezenas de outras (originalmente publicadas na Folha de S. Paulo) da série Anos de análise e suas variantes, como Anos de Inferno, Ave-Marias e Pais-Nossos, Anos de Paraíso e Quilos de culpa. Há, ainda, dois capítulos, Saldo e Sonhos – espécie de extras do livro. Nas tiras situações do cotidiano são quantificadas de acordo com as respectivas conseqüências que acarretariam. A culpa e o pecado nos empurrando pro divã ou inferno. Exemplo: "Descobrir que o Super-Homem não existe: um século de análise" ou "Usar bermuda por cima da camisa, pochete e mocassim de franja: 200 milhões de anos no inferno". A idéia veio da sua própria experiência de análise com o psicanalista Sergio Zlotnic: “À medida que contava minha vida e os prováveis traumas, começava a calcular quanto tempo teria de ficar no divã para resolver cada evento”. Tira a maior e melhor onda de tudo e de todos, até dele mesmo, oxigenando nossos neurônios – e, porque não? - nossos hormônios.

Ok, você não usa mocassim de franja nem pochete e talvez não esteja ligando a criatura ao criador, se perguntando quem ser Adão Iturrusgarai? Se googlear na internet saberá que (mas eu direi aqui em palavras mais elegantes): Adão é hoje, junto com Angeli, Caco Galhardo, Glauco e Laerte, um dos maiores cartunistas do Brasil. Nasceu em Cachoeira do Sul, morou em Porto Alegre, Paris, São Paulo, Rio de Janeiro e Buenos Aires.

O cara começou cedo. No colégio já sacaneava deus e todo mundo nos desenhos. Consta que abocanhou um concurso (meio informal, por supuesto) que escolhia o maior caralho desenhado a giz nas calçadas das ruas de Cachoeira do Sul; o desenho dele dava duas voltas na quadra.

As professoras Ledi Lima e Dona Marli assinalaram na caderneta do colégio que o aluno Adão Iturrusgarai Maciel Filho “apresenta-se displicente nas aulas da área de estudos sociais” e “tem sido nas últimas aulas muito indisciplinado”. E o colégio anotava na mesma caderneta os aconselhamentos: “deverá ser mais caprichoso, comportar-se melhor na aula e na fila” (mês de abril); “precisas melhorar mais ainda o comportamento, a letra continua feia” (maio); “até agora não melhoraste o comportamento, vamos ver depois das férias” (junho). Adão já era um ótimo humorista. E, claro, as profes não tinham o mínimo senso de humor.

Publicou sua primeira tira no Jornal do Povo, em Cachoeira, quando tinha 17 anos. Estudou publicidade e metade de um curso de artes plásticas (não concluído por levar pau em “natureza morta”). Em 91, em Porto Alegre, editou a revista Dundum (houve até processo contra ele por causa de uns “escritos obscenos”, do qual se safou, provavelmente por falta de provas obscenas). Depois foi morar em Paris. Lá publicou nas revistas Chacal Puant e Flag. Cansou de fazer biquinhos pra falar o francês e voltou ao Brasil. Mudou-se para São Paulo, onde virou Adôn, o quarto de "Los Três Amigos". Escreveu para programas humorísticos de televisão, como TV Colosso e Casseta & Planeta, editou a revista Big Bang Bang, começou a ganhar mais grana, amealhar prêmios e publicar em diversas revistas – Chiclete com Banana, Mil Perigos, Bundas e Capricho. Desde 96 publica diariamente na Folha, onde ganhou ainda mais leitores e prestígio depois da série “Aline e seus dois namorados”. Ao todo, Adão tem oito livros lançados. Ainda mantém um blog e um site, onde publica a maioria de suas divertidas e sarcásticas tiras. Os personagens Rocky e Hudson já protagonizaram uma aventura nos cinemas, num filme de animação dirigido por Otto Guerra, e o Cartoon Network produziu cinco desenhos animados com a personagem Aline. Suas tiras também aparecem nas revistas Internazionale (Itália) e Fierro (Argentina) e no jornal O Liberal e revista Sexy. Mora atualmente no litoral argentino, num povoado de seis mil habitantes, onde se pode tranquilo fazer uma boa pasta e beber bons e baratos vinhos.

Para o humor não há nada sagrado, tudo pode ser sacaneado. O humor de Adão, assim como seu jeito de falar (meio italianado,  paulistano, portoalegrês, espanholado), mistura tudo, e reinventa o cotidiano, soprando sua verve sarcástica em todas as direções. Como genuíno basco que é, ele não sabe de onde veio e nem para onde vai. Não há conexão em apenas um sentido, aponta para todos os lados sua máquina de fazer humor giratória. Para o amigo Laerte, Adão é um gênio em estado brutal. Não há porque discordar da opinião do mestre. Eu assino em cima e roubo a frase.

O novo livro, No divã com Adão, foi uma encomenda da editora ou algo circunstancial, por ter muita tira sobre o tema?

Comecei a fazer psicanálise em São Paulo quando tinha 35 anos. E comecei a pensar nessa coisa de traumas e me veio uma idéia: se você tem 5 anos de idade e alguém te chama de bundudo o que isso vai te acarretar depois? E fui fazendo assim como se fosse uma equação, tipo quanto tempo de análise vai ter que fazer para cada trauma, culpa, cada uma dessas coisas. Fiz uma tira de brincadeira um dia, depois fiz outras, e segui fazendo, quando vi tinha uma porrada de tiras que davam um livro. No final das contas foi superdivertido fazer, não foi um livro encomendado. Fui juntado as tiras e vi que dava pra fazer um livro legal.

Há histórias da tua memória de criança e adolescente? Tem muito de autobiográfico?
Tem coisas que me aconteceram. Menos as coisas de viadagem (risos)...

As situações que aparecem no livro são comuns a todos, um lance que todo mundo já sofreu/gozou...
Claro. Está aqui, por exemplo, a do cara que brocha com viagra. Foi um amigo que me contou. O cara tomou viagra na hora, pensando que o efeito era imediato, e brochou. Puta merda! Depois o cara ficou muito mal. Pô, imagina, brochar com viagra? Aí realmente é suicídio, tiro na cabeça. Mas tem muita coisa autobiográfica. Até fico meio cabreiro com meus pais porque tem coisas da família. Tive uma infância meio complicada. Meu pai foi embora – a história é que ele se apaixonou pela empregada – quando eu tinha seis anos. Perder o pai com seis anos é complicado.

No livro há algumas homenagens a amigos. O Laerte aparece numa tira e o Jaguar aparece noutra (e tomar um porre com o Jaguar dá menos 2.000.000 anos de análise).
Jaguar é o único alcoólatra que deu certo. A bebida nasceu no sangue. É um cara querido, não é deprimente, é responsável com o trabalho. Uma vez nos encontramos em SP e ele me convidou pra ir na casa dele na serra no Rio, beber umas cachaças e ficar lá um tempo. Me deu telefone, falou: “me liga, aparece lá na serra, tenho umas cachaças boas pra gente beber”. Eu falei: “ih, Jaguar, isso é papo de bêbado” e ele me respondeu “comigo é só papo de bêbado”. O Jaguar é genial.

No teu blog tem um desenho feito aos quatro anos de idade com um comentário sobre o traço do desenho e de como, com o passar do tempo, se perde o impulso criativo.
Sim, a gente vai crescendo e apreendendo a mentir. Mentir na música, no desenho, nas artes. Os caras que são muito bons são os que conseguem manter a coisa primitiva da infância e, claro, incrementando com toda a técnica que vão apreendendo.

E não é difícil o artista notar isso claramente, ou seja, ter consciência do caminho percorrido, entender que está mantendo o equilíbrio? Você pensa no seu percurso artístico, na evolução do seu trabalho?
Sim, eu penso. Acho que agora estou numa fase que considero muito legal. Deixei de desenhar bonitinho. Se você pegar os livros da “Aline”, vai ver que é tudo com pincel, tudo bonitinho, redondinho. E chegou um momento em que falei: “cara, vou começar a desenhar como quando tinha vinte anos”. E daí que estou mais preocupado com a idéia. O traço agora é mais despojado.

Nesta altura do campeonato, ainda rola de chegar no final do dia sem tiras que ache legal?

Não. Agora viajando de avião, anotei umas doze idéias. Dessas, umas seis são bacanas, duas são geniais (risos). Às vezes, eu fico sem idéia, é foda. Agora com uma filha de cinco meses, mudança de casa... Estávamos em Gaiman, um povoado na Patagônia com gente do país de Gales que chegou lá, encheu de porrada os índios Mapuches e ficou. A idéia era comprar um terreno e construir uma casa na beira do rio, uma coisa assim bacana. Mas aí a gente descobriu que o lugar no verão é invadido por mosquitos. Comprar um terreno pra durante seis meses se cagar de frio e o resto do ano ser atacado por mosquitos, não vale a pena. Fugimos, mudamos pro litoral, um lugar chamado Playa Unión, perto de uma cidade que é bem conhecida, Puerto Madryn, um lugar que tem baleias. Aparecem lá muitas baleias, elas vão trepar e ficam lá.

E um lugar pequeno assim dá material suficiente pra satisfazer a tua imaginação?
Alimento a minha imaginação da própria memória. Passei dos vinte e poucos aos 35 anos na rua, balcão de bar, vendo esses bandos de débeis mentais, neuróticos, amigos, gente bacana de todo tipo. E meu cérebro já foi bem usado, em todos os sentidos. Preciso excretar um monte de coisas. Estão aí as memórias, não sinto falta da rua. E tem a internet...

E você faz auto-análise? Agora passando por Porto Alegre, não pensou em coisas de quinze anos atrás, quando morava aqui? 
Não. Pra falar a verdade, é meio deprimente. A única auto-análise que faço é ver o meu pai, já velho e meio doente, e imaginar que daqui a vinte anos eu posso estar assim também. Porque tenho 43, é um momento foda. Sempre achei que fosse imortal. Pra algumas pessoas a idéia do envelhecimento e morte vem muito mais cedo. Tenho amigos que aos vinte já começaram a pensar nisso. Pra mim, não. Nunca pensava nisso. Cheguei aos 40, daí foi abrupto, comecei a pensar. E agora tenho uma filha. Já aparece um zumbido no ouvido. Já não consigo fazer sexo mais de seis vezes por dia (risos). Começam a aparecer as limitações, essas coisas.

Agora vou perguntar uma coisa séria (risos): como o humor funciona na vida do ser humano?
O humor é o que nos diferencia dos cachorros, dos coelhos, das vacas, de tudo. Eu nunca li, mas parece que existe um estudo muito bom do Freud sobre o chiste, o humor. Quero ler isso ainda. O humor é uma sacudida, e a falta de humor é paralisante, é o envelhecimento, a morte. Seria como um sopro de ar fresco, como se o ar tivesse parado e daí vem o sopro e você acorda. Mas assim: a falta de humor é importante, o humor só existe porque existem pessoas completamente chatas e sem senso de humor. Hoje fiz uma tira chamada Titanic: as famosas últimas palavras. Aparecem dois caras no navio, estão ali engravatadinhos, conversando e tal, e tem uma mina assim meio ao longe, e se vê uma sombra avançando, o iceberg chegando. Um dos caras fala pro outro “cara, ela tá te dando mole, vai lá e oferece um cigarro pra ela, só pra quebrar o gelo”.

Só pra quebrar o gelo é foda...
As famosas últimas palavras.