foto Renata Freitas |
Como e quando surgiu
a ideia do projeto do livro?
Em 2007, eu me mudei pra Argentina e comecei a conviver com
ativistas feministas. Eram muito lúcidas, e, nas conversas, comecei a me
questionar mais sobre o feminino. Nunca estive de acordo com o que nos vendem
como sendo o feminino, que é, afinal, uma série de comportamentos. Então eu
comecei a escrever poemas a partir essa inquietação.
O que te motivou a
escrever o poema "um útero é do tamanho de um punho"? Como foi a
criação dos outros poemas do livro? Houve algum planejamento para que poemas
fossem escritos para entrar no livro, foi um trabalho de edição de poemas para
afigurarem-se à ideia central do livro?
Depois que uma amiga fez um aborto, fiquei pensando em quem
manda, de fato, no corpo da mulher. Comecei a pesquisar textos na internet
sobre o corpo da mulher e cheguei a uma frase que ficou dando voltas na minha
cabeça: "Um útero é do tamanho de um punho fechado". Uns dias depois,
sentei e escrevi o poema. Houve planejamento para o livro, sim, porque fiz um
projeto para o programa Petrobras Cultural. Nesse projeto, a mulher era o foco.
Ganhei a bolsa há dois anos, e com isso pude escrever a maioria dos poemas do
livro.
A poesia é necessária
para provocar deslocamento intelectual/comportamental, ou é desejo da poeta e
leitora Angélica Freitas que a poesia possa provocar alguma alteração na
percepção do cotidiano de vida de nós leitores de literatura?
Se eu conseguisse fazer isso, ficaria feliz. Acho que a
literatura, em geral, precisa provocar.
Houve deliberada intenção de usar sarcasmo e humor e, em alguns
momentos, podemos dizer?, nonsense, para abordar nos poemas a temática de
identidade e gênero?
Não, acho que foi o único caminho que me restou, mesmo.
Ao reunir poemas cujo
foco é a condição da mulher, houve um risco: poderia deslizar para uma poesia
discursiva e de protesto ao abordar as temáticas de gênero e identidade com
tanta contundência. Houve alguma hesitação, mesmo temor, em algum momento, a
respeito desse risco a ser corrido?
Sim, eu sabia que era um risco.
Mas também acredito que devo escrever sobre as coisas que me incomodam. A
pergunta era: como fazer isso, ainda mais na forma de poemas? O caminho foi a
ironia, o nonsense. Enquanto estava escrevendo o livro, cheguei a me perguntar
se o título era muito pesado. É engraçado, tenho a sensação de que minhas
amigas argentinas adoraram o título, mas as brasileiras acharam forte demais.
Enfim, pode ser impressão. E alguns amigos queridos, homens principalmente,
disseram com toda a sinceridade que não gostavam da palavra "útero".
Aí chega aquele momento em que tu tem que assumir o risco e bater o martelo.
Deixei como estava. Mas não acho de todo ruim desagradar.
Me chamou muita atenção a muita musicalidade embalando uma leveza e
delicadeza de escrita em vários poemas. Como foi a elaboração dos poemas no que
diz respeito a esse aspecto "musical", ou seja, o teu trabalho com
sonoridade, ritmo, metrificações, pausas para os versos?
Sempre foi meio intuitivo, isso da musicalidade. Na verdade,
tudo o que faço em poesia é meio intuitivo, mas não digo isso batendo no peito,
não. Leio muito, e já li sobre versificação, mas nunca apliquei regras. Acho
que estou lidando com outras coisas quando escrevo. E a música popular sempre
foi muito importante pra mim. Ter ouvido o Caetano Veloso, o Tom Zé, o Grupo
Rumo, o Itamar Assumpção, o Vitor Ramil, o Nei Lisboa, pra citar só alguns, foi
tão importante quanto ter lido o Bandeira, a Ana Cristina César, o Drummond. Depois
que conheci o Vitor, e que ele musicou uns poemas meus, fiquei mais atenta à
possibilidade de um poema virar canção, e sem querer comecei a fazer uns versos
mais cantáveis. Mesmo sem música, parece que eles chegam mais rápido, e com
mais intensidade, a quem lê.