10 de nov. de 2012

Um útero não pode dar soco, a poesia pode


“Um útero é do tamanho de um punho” (CosacNaify) está sendo autografado pela poeta Angélica Freitas na Livraria da Vila, em São Paulo, e quatro amigos da autora, sentados à mesa do bar da livraria, entre goles de cerveja e café, conversam sobre a leitura que fazem da obra - embora pouco extensa ainda, de apenas dois livros publicados - dessa que já é considerada uma das vozes mais provocadoras e originais da poesia brasileira. São eles: o artista gráfico Odyr Bernardi, o poeta e tradutor Cristian De Nápoli, o poeta Fabrício Corsaletti e o poeta e jornalista Marcelo Noah. Leia a reprodução da conversa na postagem abaixo (encontro com a poesia de Angélica Freitas).
Junto com a sessão de autógrafos neste sábado, às 16h, na Palavraria, Angélica, Vitor Ramil e Marcelo Noah, lerão poemas do livro.

A poesia da pelotense Angélica Freitas nasce dos atritos diretos com a vida. Seus poemas surgem da inquietação e perplexidade diante da condição humana. Morando na Argentina em 2007, a poeta teve contato com ativistas feministas de lá e começou a se questionar mais sobre o feminino. "Um útero é do tamanho de um punho fechado", foi a frase com a qual se deparou em suas pesquisas a respeito do corpo da mulher, e a fez questionar-se: “Quem manda, de fato, no corpo da mulher?”

Essa e outras indagações levaram Angélica a escrever o poema “um útero é do tamanho de um punho”, elaborar um projeto de livro para o programa Petrobrás Cultural e renderam 35 poemas reunidos na publicação que chega às livrarias. Poemas que disparam contra modelos de comportamento contemporâneo, abalam falsas noções de gênero e questionam “verdades” culturais sobre a condição feminina (a mulher é uma construção/ deve ser).

A poesia é sempre uma aventura, uma experiência estética marcante, não se presta para teses ou discursos, ou não é poesia. Angélica sabe disso e consegue fazer do poema essa experiência e transmitir esse acontecimento ao leitor. Demonstrando vigorosa qualidade literária, sua linguagem é direta e clara, o poema surgindo “como uma transparência através da qual se pode ver as pessoas de agora, nas ruas de agora, falando a língua de agora, sentindo os sentimentos de agora” (opinião do poeta e editor Carlito Azevedo). Parece fácil escrever assim, mas não é.

Para Angélica, o poema é uma espécie de arma, ou punho fechado, a golpear nossas “sólidas” e ridículas idéias, com sarcasmo desestabilizador (num útero cabem capelas/ cabem bancos hóstias crucifixos/ cabem padres de pau murcho/ cabem freiras de seios quietos/ cabem as senhoras católicas/ que não usam contraceptivos); ironia afiadíssima (uma pessoa já coube num útero/ não cabe num punho/ quero dizer, cabe/ se a mão estiver aberta/ o que não implica gênero/ degeneração ou generosidade); e auto-ironia (não diz coisa com/ coisa nem escreve nada/ que preste/ não alivia as massas/ nem seduz as cobras/ se reduz a isso/ a palhaça/ toca fagote/ com a boca cheia/ de colgate).

“Um útero é do tamanho de um punho” é leitura prazerosa e divertida, capaz de provocar boas gargalhadas, embora os poemas sejam mais densos e ásperos, em conteúdo, que os de “Rilke Shake”, seu livro anterior. Há, ainda, bastante musicalidade, leveza e fluência nos versos, como se a linguagem ganhasse uma linha melódica aliciadora e fosse envolvendo nossa sensibilidade numa espécie de canção. Não à toa, essa musicalidade inspirou Vitor Ramil a compor mais de uma dezena de músicas para os poemas de sua conterrânea.

Embora correndo risco de deslizar para uma poesia discursiva e de protesto ao abordar temáticas de gênero e identidade com tamanha virulência, o sarcasmo, o nonsense e, sobretudo, a força estética dos poemas fizeram a excelência poética prevalecer. É poesia pra valer. Angélica é poeta das maiores. Quem ainda não a conhece, corra até a Palavraria neste sábado.

Fernando Ramos, idealizador e organizador da Festa Literária de Porto Alegre – FestiPoa Literária.